Resultado de imagem para QUEIMAR LIVROS ALLAN KARDEC
Resultado de imagem para waly salomão frases
Uma casa sem livros é como um corpo sem alma., Cícero

...SÓ SEI QUE NADA SEI!

Resultado de imagem para george orwell jornalismo
Resultado de imagem para pr 323 campanha mortes


 



Resultado de imagem para gif animated books

Resultado de imagem para george orwell jornalismo
Resultado de imagem para war and peace book

domingo, 7 de maio de 2017

Resenha de 'Guerra e paz', de Tolstói

Guerra e paz, de Liev Tolstói.  2.536 pgs
Resultado de imagem para guerra e paz livro
 O mundo muda quando eu mudo”. Formulou-se essa ideia, séculos atrás, no caldeirão de sabedorias da Índia. Tolstói, que morreu mal faz cem anos, pôs a mesma questão entre os temas centrais de “Guerra e paz”, em cujas tantas direções e veredas cada leitor encontra, como em toda grande obra, um caminho promissor que mais de perto lhe fale. Na página 896 do romance, quando as mudanças que os personagens principais sofrerão ainda estão em preparo, Pierre Bezukhov, sem dúvida o que muda mais rápido e mais profundamente, declara numa assembleia de maçons: 

“Toda reforma violenta merece reprovação, porque pouco irá remediar o mal, enquanto as pessoas permanecerem como são”. Os objetivos de Pierre — agir bem, antepor o interesse coletivo ao apego pelas próprias paixões, aprimorar-se sem descanso para manter cristalina a consciência — são princípios idênticos aos do príncipe Andrei. O príncipe infeliz, mais que seu melhor amigo, é a outra face do desenho dessa mesma aspiração elevada, com um forte contraste entre os dois tipos. 

 Andrei é seco, reservado, rígido: faz seu esforço de modo retilíneo, pensando em chegar à glória por ser alguém virtuoso. Pierre, grande, gordo, desajeitado, afetuoso e expansivo, é um senhor que progride aos tropeções. Almeja poder viver para os outros e, sendo um conde rico, os mais espertos se aproveitam disso. Tornado herói a contragosto, deixa-se moldar como o querem, de forma passiva, com muita dificuldade de se encaixar nos papéis que a narração e a sociedade lhe impõem. Acham-no bom. Mas ele não se envaidece e vive às turras consigo, porque sabe que a cada gesto de acerto normalmente sucede um novo fracasso. 

 A aspiração elevada que se encarna nos dois amigos sinceros não combinava com os prazeres da paz, exibidos nos salões deslumbrantes onde a nobreza russa se banqueteava em conluios, nem podia ser mantida nos horrores da guerra, onde os próprios generais brigavam entre si, roendo-se de orgulho nervoso, para se avantajar em prestígio e conquistar mais medalhas. Andrei, militar inteligente e escrupuloso que enjoa das esferas de mando, vai aos campos de batalha encarar a morte de frente.

 Pierre foge dos salões que o adulam porque não suporta o vazio dos que ali só se distinguem pelo peso da empáfia. Nas primeiras páginas de “Guerra e paz”, estamos em 1805 e uma “decorosa máquina de conversação” funciona no salão de Anna Pavlóvna, centro de atividade incessante para cortesãos antenados. 

Os interesses que se aliam, os casamentos que valem a pena tramar, as fortunas que poderão ser herdadas, as fraudes talvez possíveis, todas as transações se efetuam sob primorosos disfarces, como cenas devidamente ensaiadas que vão compondo o espetáculo. Em 1812, quando chegamos à página 1.442 do romance, e as tropas de Napoleão, tendo invadido boa parte da Rússia, já estão quase em Moscou, o salão de Anna Pavlóvna em Petersburgo continua a ser o mesmo. Seus rituais se repetem. As pessoas se exaurem como antes. O luxo das indumentárias rebrilha. 

O que há de novo e agora anima as conversas são as notícias da guerra, onde a ofensiva de Bonaparte se toma por uma ofensa ao decoro, como se atrapalhasse os prazeres dos cortesãos. Os camponeses saqueados estão à beira do abismo, mas o eco das calamidades não chega, em Petersburgo, a perturbar as noitadas. Natacha, enquanto isso, depois de um período no campo, foi pela primeira vez ao teatro. Na peça, tudo lhe pareceu “tão falso e afetado, tão artificial, que ela ora sentia vergonha pelos atores, ora tinha vontade de rir”. No público, notava “uma admiração fingida”. Tratando-se porém de Natacha, a favorita dos dois amigos sinceros, entende-se que ela passasse logo da reserva para uma aceitação pura e simples. “Na certa tem de ser assim mesmo”, pensa a menina que ali se iniciava nos mistérios mundanos. 

 Aquele olhar de Natacha, juntando a falsidade da peça ao fingimento do público, equivale ao do realismo satírico que Tolstói nos propõe: nos salões iluminados onde se venera o czar, como em todos os redutos da aristocracia na Europa, o que impera é o teatro do mundo. Envolvida por sua “luz radiosa”, que ofusca o espírito crítico, a bonita no$há de cair no “estado de embriaguez” e leveza no qual será seduzida. A cena da sedução de Natacha no teatro, por um falso pretendente que está disposto a enganá-la, é tão famosa e comentada quanto o episódio em que Pierre se move, “por conta própria” e elegante, mas em traje civil, no teatro de operações da guerra. Na batalha de Borodinó, por onde passeia entre as matanças, nada ele entende do que avista, nem sequer consegue distinguir as posições contrárias. É um ingênuo no caos. 

À sua frente, a natureza o absorve. Mas sua compreensão não alcança o corre-corre das tropas, o automatismo das vontades, o desencontro das ordens, o absurdo dos corpos de cristãos que se farão em pedaços. A mudança essencial de Pierre ocorre um pouco mais tarde, quando, chocado com a execução de prisioneiros, ele acaba perdendo a fé em tudo. Largando para trás seu passado, afinal se transforma num homem qualquer do povo, que vagueia em farrapos, sem identidade, e será preso entre os russos. 

Mas dos escombros da descrença — e esta é a marca de Tolstói — nasce um filete de esperança que o transformará ainda mais. Se já tinha desistido da ideia de aprimorar a alma da espécie, Pierre agora, sentindo-se tão perto dos seus, sente-se invadido por um jorro de paz que o reconforta. De um soldado que também está preso e filosofa sem pressa, “a personificação de tudo o que é $, bom e redondo”, ele aprende que não há nada mais sábio do que ser simples. Pelo que em geral se rotula de “fatalismo histórico” nas concepções de Tolstói, “o movimento dos povos”, como ele escreve em seu epílogo, “é produzido não pelo poder, mas pela atividade de todas as pessoas que participam do acontecimento”. 

Sob esse prisma, quem apeia em Moscou, e lá encontra uma cidade vazia, desertada pelos habitantes, não é o grande Napoleão Bonaparte: é cada um dos seus soldados que vem atrás e saqueia o que ainda resta. O corso, destronado da condição de grande, só aparece em “Guerra e paz” pelos seus lados ridículos. Como quando ele continua a falar, em pleno campo de batalha, “com a veemência e com a irritação destemperada tão comuns nas pessoas mimadas”. Em termos de simplicidade, a tradução de Rubens Figueiredo é um encanto. Feita diretamente do russo, conserva um belo tom espontâneo que se acredita ser a marca do autor. 

Em tudo, há um detalhismo de artesão, página a página, que cada vez dá mais vontade de prosseguir na leitura. Os diálogos, onde muitas traduções claudicam, soam aqui naturalmente. Quando fala a nobreza, são formais e contidos. Quando fala a voz do povo, o uso de expressões correntes, como “pegar no pé”, “salvar a pele”, “dar moleza”, “pagar o pato” ou “soltar os cachorros” confere à preciosidade do clássico, renovando-a, um gostoso sabor contemporâneo. 

    LEONARDO FRÓES é poeta e tradutor
Resultado de imagem para o globo logo

Nenhum comentário:

Postar um comentário